A humildade

Sempre desconfiei de pessoas humildes. Melhor dito: sempre desconfiei se a humildade não constitui uma capa conveniente ao oportunismo e ao engano. 
Desde já, devo fazer uma confissão – eu não sou humilde, talvez por uma questão de temperamento, ou pelo facto de nunca ter sentido a necessidade de me rebaixar para dar sentido aos meus atos, ou às minhas palavras. No entanto, eu reconheço que a humildade pode ser uma virtude, desde que seja genuína. A genuinidade da pessoa humilde demonstra-se em todo aquele que é ciente das suas próprias limitações e dos seus defeitos. Eu admiro os verdadeiros humildes. A minha querela não tem a ver com o ideal de humildade, mas sim com esses supostos humildes que pululam por aí, envergando o véu da humildade para ganharem prestígio e benefícios. Regra geral, o falso humilde é, na realidade, um cobarde, e nós apreciam-los tanto, porque nós adoramos cobardes. Nós não costumamos gostar de alguém que nos faça frente, que argumente, que tenha uma postura de frontalidade. Dizemos que gostamos de pessoas frontais, mas na realidade adoramos dissimulados. 
Parte deste apreço geral pela falsa humildade (ou cobardia, como quisermos) é compreensível: se todos fôssemos corajosos ao ponto de dizermos o que pensamos, provavelmente já nos teríamos aniquilado mutuamente. No entanto, parece-me importante distinguir entre aqueles que entendem que deve haver comedição na hora de comunicar e aqueles que adotam, de forma consciente, e por isso oportunista, a falsa humildade. Esta falsa humildade não passa de um rebaixamento consciente das nossas próprias convicções para obter o favor do nosso interlocutor (normalmente um chefe, no trabalho, mas qualquer pessoa que seja de alguma forma superior a nós serve). Esta traição do Eu para obtenção de likes (numa lógica facebookiana) não passa do mais desprezível e baixo oportunismo. A humildade não é algo que se enverga como uma medalha, é uma qualidade emanente e silenciosa. Toda a humildade que é comunicada é falsa.
       Quer isto dizer que não devemos aspirar à humildade, isto é, a estarmos a todo o momento conscientes de que não passamos de mais um ser humano, igual a tantos outros, com as mesmas pulsões, problemas, insatisfações? Não, claro que não. A humildade, na sua forma mais pura, pode levar-nos à maturidade e, por conseguinte, à tranquilidade (sendo conscientes de que somos atores da miséria do mundo, podemos mais facilmente chegar a estar em paz com ele). No entanto, nunca é demais estar atento a esses santos de barro no altar da humildade aos quais cegamente rezamos, enquanto ignoramos os verdadeiros humildes – aqueles que são conscientes da sua condição humana, para sempre limitada e infeliz.

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